Apresentar e discutir, em
linhas gerais, todo o entendimento alcançado ao longo da I Unidade na
Disciplina História do Brasil II, não é tarefa das mais fáceis. Primeiro porque
se corre o risco de enfatizar determinados fatos em detrimento de outros, e
segundo porque, a medida de “todo conhecimento” apresentado ao longo dessa
unidade é bastante relativo, se não imensurável. Daí a preocupação em não dar
conta de tamanha tarefa.
Mas, vamos lá. Se for para
falar do que eu entendi, comecemos então pelo tópico da primeira aula “A Crise
do Antigo Sistema Colonial”, conceito de inspiração marxista, desenvolvido pelo
historiador Fernando Novais, para designar em seu livro, “Portugal e Brasil na
crise do Antigo Sistema Colonial” os processos e estruturas da colonização
européia na chamada Época Moderna, com ênfase na colonização portuguesa
efetuada no Brasil.
Para entendermos a crise
do Antigo Sistema Colonial, vamos retroceder no tempo, mais precisamente, aos
séculos XVII e XVIII, época em que ocorreram diversas revoluções, tanto na
Europa, como na América do Norte, assim como uma série de movimentos nativistas
na colônia portuguesa.
A crise do Antigo Sistema
Colonial, mais conhecido por colonialismo mercantilista, em 1765-1825 foi o
equivalente, na América, da crise do Antigo Regime na Europa, como bem destaca
Novais, ao situar Portugal e Brasil no contexto dessa crise geral, reforçando o
pensamento dos estadistas:
A crise apresenta-se
primariamente como um conjunto de problemas que a monarquia absolutista tinha
de enfrentar e resolver, alguns antigos que se agravavam na nova conjuntura,
outros novos que emergem em faces das recentes condições internacionais
(NOVAIS, 2005, p. a117).
Essa crise foi motivada,
em parte, pelos mesmos fatores que causaram a crise dos regimes europeus: a
ascensão de novas elites ao poder, a influência do Iluminismo, cujas idéias
eram contrárias as do Antigo Regime e o impacto das Revoluções Industrial,
Americana e a Francesa. A essas causas comuns juntaram-se fatores mais
particulares, como o descontentamento dos colonos com as reformas coloniais do
século XVIII e os interesses comerciais britânicos em ampliar o mercado da sua
crescente indústria, gerando na população colonial, o sentimento de
emancipação.
As transformações do
capitalismo no século XVIII colocaram em crise o velho mercantilismo. Ocorria a
passagem do capitalismo comercial para o industrial, que trouxe consigo uma
nova justificativa teórica, o liberalismo econômico, cujos economistas liberais
defendiam a não intervenção estatal na economia, como ocorria no mercantilismo.
Assim, os monopólios,
pactos coloniais, regulamentações, restrições e proibições, típicos do
mercantilismo, eram um obstáculo ao desenvolvimento do capitalismo industrial.
Com isso, o sistema colonial mercantilista iniciava a crise, que levaria ao seu
desaparecimento.
A industrialização,
iniciada na Inglaterra, necessitava de mercados fornecedores de matérias-primas
e consumidores de produtos industrializados. O desaparecimento do sistema de monopólios
coloniais facilitaria o acesso a mercados e inauguraria a grande concorrência
internacional, o livre cambismo. O que implicava na destruição do
mercantilismo.
Essas revoluções e
principalmente a independência dos Estados Unidos da América, assim como, as
idéias iluministas, foram fatores que repercutiram nas colônias portuguesas, como
se pode observar na afirmação de Novais:
[...] a revolução
americana fez explodir as falácias do sistema colonial. Este se baseava na
idéia de que o desenvolvimento das manufaturas da metrópole dependia do
exclusivo do mercado das colônias, que por sua vez tinha prioridade no mercado
metropolitano (NOVAIS, 2005, p. 121).
As duas nações ibéricas, Portugal e Espanha,
não eram mais, grandes potências européias, encontravam-se superadas pela França
e, principalmente, pela Inglaterra. Mantinham-se presas ao absolutismo e ao
mercantilismo.
Quanto a isso, Novais
coloca que “Portugal chegava à época da crise do sistema colonial, com uma
larga margem de atraso econômico em relação às potências mais desenvolvidas do
Ocidente europeu” (NOVAIS, p.135). Ou seja, se encontrava dependente dos
interesses comerciais britânicos. Não acompanhara, na época da acumulação
originária, o ritmo de crescimento econômico de grandes potencias colonizadoras
européias.
Somente a partir das
manifestações da crise traçada anteriormente, é possível perceber que Novais
passa a delinear os problemas propostos, seu equacionamento e as soluções tentadas.
Dentre os diversos problemas que a monarquia absolutista
tinha de enfrentar e resolver, Novais destaca a Defesa do Patrimônio, isto é, a
simples preservação das colônias, que se resumia em:
A defesa externa:
Razões do aumento da fiscalização: para “conservação das tropas na América,
particularmente no Rio de Janeiro”, pois que “é demonstrativamente certo que,
sem Brasil, Portugal é uma insignificante potência; e que o Brasil sem forças,
é um preciosíssimo tesouro abandonado a quem o quiser ocupar (Instruções de
Martinho de Mello e Castro a Luís de Vasconcelos e Sousa acerca do Governo do
Brasil-1779)” (Novais, p.139).
A defesa interna:
“Não era possível explorar a colônia sem, de certo modo, desenvolvê-la; ainda
que esse ‘desenvolvimento’ se fizesse nas linhas de uma economia dependente,
não podia deixar de envolver um aumento necessário de população na colônia, e
uma complexidade crescente da sociedade colonial – o que começava a abrir a
possibilidade de a pouco e pouco se manifestar oposição de interesses os
colonos e a metrópole” (Novais, p.142).
Logo,
o Antigo Sistema Colonial era parte de um todo, que se explica nas suas
correlações com esse todo. O que implica dizer que a defesa do patrimônio
colonial significava também, a sustentação do Absolutismo na metrópole.
O
iluminismo criticava o absolutismo no campo político, jurídico e
administrativo. Pregava a igualdade entre os homens, abjurando a sociedade
estamental e o escravismo. O indivíduo deveria valer pelo seu esforço, mérito e
riqueza e não pela sua origem. Apesar de toda a oposição e censura dos Estados
absolutistas, as idéias iluministas se difundiam e empolgavam os intelectuais, quer
nas metrópoles, quer nas colônias.
Dominação política da
metrópole, exclusivo colonial, escravismo e tráfico, todos os pilares do Antigo
Sistema colonial da época mercantilista: era a própria colonização européia que
se punha em xeque; o pensamento ilustrado, nos seus vários matizes, nada
deixava de lado, tudo vasculhava com a sua crítica. A América voltava a
penetrar no horizonte intelectual da Europa, como nos tempos dos
descobrimentos, e a perturbar a tranqüilidade da consciência européia (Novais,
p.157-158).
A
crise, de qualquer modo, era geral, e punha em xeque tanto o sistema
mercantilista dos colonizadores como o absolutismo da metrópole. Baseados na
razão (racionalismo), os iluministas contestavam a origem divina do poder real
e defendiam a idéia de que o poder deveria emanar do povo e em seu nome ser
exercido. Apesar de toda a oposição e censura dos Estados absolutistas, as
idéias iluministas se difundiam e empolgavam os intelectuais, quer nas
metrópoles, quer nas colônias.
No final do século XVIII,
a chegada das idéias ilustradas e as notícias sobre a independência das
colônias norte-americanas (1776) e da Revolução Francesa (1789) deram um novo
“tom” aos protestos de colonos e colonizados, os quais passaram a realizar uma
crítica política de outra natureza. Tal crítica foi sendo elaborada tanto pela
leitura que os colonos fizeram dos filósofos iluministas, como também por sua
própria tradição rebelde.
Devido aos abusos do
fiscalismo português nas regiões auríferas, vários movimentos emancipacionistas
foram realizados contra os colonos portugueses. Esse ponto, no entanto nos
remete às discussões desenvolvidas na segunda aula, quando abordamos acerca da
Conjuração Mineira, fundamentada no verbete Inconfidência Mineira de João Pinto
Furtado.
A Inconfidência Mineira seria o primeiro
movimento a manifestar claramente a intenção de romper com Portugal. Anos
depois eclodiria a Conjuração baiana, movimento com características
acentuadamente populares. Em 1817 ocorreria a Chamada Insurreição Pernambucana,
a maior rebelião colonial antes da Independência.
A Inconfidência Mineira,
também chamada de Conjuração Mineira, foi o primeiro movimento que manifestou a
intenção de promover a separação política de Portugal. Em suas manifestações de
insatisfação com a ordem vigente os inconfidentes ou conjurados desejaram o fim
da sujeição ao trono português e o rompimento com os laços coloniais.
Diversos fatores
contribuíram para desencadear a conspiração contra o governo metropolitano, dentre
eles o arrocho das restrições metropolitanas, a aplicação da derrama e a
proibição das manufaturas no Brasil. Os participantes dessa conspiração ficaram
conhecidos como inconfidentes.
A Conjuração Mineira não era
um movimento de natureza popular. A quase totalidade dos conjurados pertencia à
elite. A exceção era Tiradentes, que seria o elo entre o povo e os aristocratas
de Vila Rica. Os intelectuais mineiros fizeram planos. Embora houvesse
divergências, idealizaram as formas do novo governo a ser implantadas, bem como
suas primeiras medidas administrativas. Pretendiam estabelecer um governo
republicano em Minas Gerais; casa da moeda; fábricas de pólvora e tecidos; uma
universidade em Vila Rica; auxílio para as famílias com prole numerosa.
No entanto, não chegaram a
uma conclusão quanto ao destino dos escravos. Afinal, quase todos os conjurados
possuíam escravos. Deixaram para decidir depois do triunfo do movimento. Havia
os que defendiam a manutenção da escravidão, e os que propunham a libertação
dos escravos nascidos na capitania. Porém, não se pensou, em nenhum momento, na independência do
Brasil.
O movimento, porém, não
chegou a ter sucesso, uma vez que os planos não iam além das salas de reuniões.
Isolados da população, sem pensar em armas para o levante, bastou uma denuncia
para desbaratar os conspiradores. Avisado da conspiração pelo traidor Joaquim
Silvério dos Reis, um dos conspiradores, o Visconde Barbacena suspendeu a
derrama e iniciou a captura dos envolvidos.
Os acusados foram levados
ao Rio para a instauração do processo e julgamento, com exceção de Cláudio
Manuel da Costa, que foi encontrado enforcado em sua cela. Os autos de devassa
concluíram pela culpa de todos. A sentença, enviada a Portugal, condenava 11 à
morte na forca. A rainha, D. Maria I, determinou que apenas Tiradentes, por ter
assumido sua culpa, seria executado. Os demais foram condenados ao degredo,
temporário ou perpétuo, na África.
No dia 21 de abril de
1792, no Rio de Janeiro, Tiradentes foi enforcado, seu corpo esquartejado e
partes distribuídas pelos locais por onde andara. A cabeça foi exposta em Vila
Rica. Ele se tornou, talvez, o personagem mais popular da história nacional,
adquirindo contornos heróicos e status de mito político. Apesar de muito
marcada pela ação dos republicanos e de seus interesses, a construção desse
perfil de Tiradentes não se deveu apenas a eles.
Da popularidade presumida
à transformação em herói e mito político, Tiradentes percorreu um caminho
sulcado pela ambiência cultural de seu próprio tempo e pela herança deixada por
ela em tempos posteriores. Muitas de suas representações foram, sem dúvida,
construídas e manipuladas, mas em torno de um imaginário social específico, que
permitiu seu reconhecimento até certo ponto espontâneo. A ação política, por
sua vez, promoveu sua consolidação pela utilização induzida, organizada e
intensiva.
A partir da terceira aula,
explorando o “O nascimento político do Brasil” As origens do Estado e da nação
de Slemian & Pimenta, passamos a relacionar a chegada da família real
portuguesa ao Brasil com a conjuntura européia em revolução e com a
constituição de um novo império luso-brasileiro.
Vimos que o inicio do
processo da independência do Brasil normalmente é associado à chegada da corte
portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. A imigração da elite da metrópole deu ao
território uma nova condição, pois, de simples colônia, o Brasil passou a ser o
centro das decisões da Coroa portuguesa, processo conhecido como inversão
brasileira.
A vinda da família real
para o Brasil ocorreu devido à invasão de Portugal pelo exercito napoleônico. O
príncipe regente. D. João, não acatou o Bloqueio Continental imposto por
Napoleão em virtude da dependência econômica do estado luso em relação à Coroa
britânica. Diante das pressões francesas, D. João acabou aceitando um acordo
com os ingleses que definia, entre outras questões, a transferência da
Monarquia portuguesa para o Brasil. Tendo em vista a posição do governo
português, Napoleão determinou a invasão de Portugal.
Em represália à invasão de
Portugal pelas tropas francesas, D. João determinou, em 1809, a ocupação da
Guiana Francesa, anexando-a ao território brasileiro. Determinou, também, a ocupação
da região da Cisplatina (hoje Uruguai), já que a Espanha estava submetida ao
domínio francês.
Posteriormente, a
Revolução do Porto, em Portugal, tinha como um dos objetivos principais a volta
imediata do rei português para a Europa e a elaboração de uma Constituição.
Essas condições acabaram facilitando o processo de independência do Brasil.
Finalmente, na sequência
das aulas, compreendemos que o 07 de setembro de 1822 não foi um ato isolado do
príncipe D. Pedro, e sim um acontecimento que integra o processo de crise do
Antigo Sistema Colonial, iniciada com as revoltas de emancipação no final do
século XVIII. Do mesmo modo, podemos
dizer que a independência do Brasil, restringiu-se à esfera política, não
alterando em nada a realidade sócio-econômica, que se manteve com as mesmas
características do período colonial.
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