sábado, 1 de outubro de 2011

“A ESCRAVIDÃO ENTRE OS AFRICANOS”


Alberto da Costa e Silva é diplomata de carreira, historiador, membro da Academia Brasileira de Letras. Foi embaixador na Nigéria, no Benim, em Portugal, na Colômbia e no Paraguai. É autor de mais de 30 livros, entre antologias, ensaios e poesias. Africanista e estudioso da escravidão, publicou, dentre outros livros, A enxada e a lança; Um rio chamado Atlântico; Francisco Félix de Souza, mercador de escravos; e A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700, objeto desta reflexão, e que, lhe rendeu o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, e o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Biblioteca Nacional.
Com a manilha e o libambo, Alberto da Costa e Silva criou uma metáfora para explicar, num extenso ensaio de mais de mil páginas, o que foi a África colonial: a escravidão sustentando o desenvolvimento de uma economia que, descoberta e explorada pelos europeus, expandiu-se e serviu para acelerar o crescimento de outras regiões do mundo, especialmente do Brasil, cuja história é inseparável da história africana, tema que o consagrou como historiador e africanólogo.
O texto em discussão neste estudo, “A escravidão entre os africanos”, é parte integrante do livro A manilha e o libambo: a África e a escravidão (1500 a 1700). Trata-se do Capítulo 3, onde o autor põe em questão, entre outras teses, a de que a escravização do homem teria origem nos instrumentos e processos de domesticação dos animais, e propõe o inverso: a de que a escravidão do homem teria vindo antes da domesticação dos animais, sem recusar, contudo, que os dois processos, em algumas culturas, tenham andado de mãos dadas. Segundo ele, ao domesticar os animais o homem usou os mesmos processos e instrumentos que usou para controlar os escravos: a coleira, o cabresto, a peia, a chibata e a castração, e para distinguir a posse, o corte na orelha e a marca com ferro ardente.
O autor afirma ainda, que havia escravidão entre muitos grupos de índios americanos que não domesticavam animais, com exceção da lhama. Na África, só a galinha d’Angola era domesticada, os outros animais já vieram domesticados do Oriente Médio, pelo Mediterrâneo. Já a escravidão, anterior à criação de animais, vem dos primórdios da humanidade, desde a formação das primeiras comunidades, sendo, portanto, muito antiga: quando uma aldeia era atacada, e todos os homens eram mortos, as mulheres e crianças, sem ter para onde ir, muitas vezes acompanhavam os vencedores na condição de escravos. 
Num esboço das diversas feições que tomou a escravidão na áfrica, Silva afirma que ela variava de região para região, de cultura para cultura e de grupo para grupo, o que nos leva a compreensão de que a escravidão africana se deu de diversas formas.

O escravo de um grupo agrícola era utilizado de modo distinto ao de um grupo predominantemente pastoril. Aqui, seria tratado como pessoa da família, ou quase, a comer na mesma gamela que o amo. Ali, com a violência e as humilhações que merece o inimigo – nu ou com um trapo amarrado à virilha, a alimentar-se de restos lançados ao chão, sem conhecer descanso entre os empurrões e as bofetadas. Acolá, com o mesmo cuidado que uma cabra ou uma ovelha, uma vez que tinha como esses animais, valor de uso e troca. Mais adiante, até com certo mimo [...] porque se destinava ao sacrifício ritual, e por toda parte com o passar do tempo, o exemplo externo, o contato nos mercados, os relatos dos peregrinos e dos viajantes, os casamentos entre membros de aldeias apartadas e as experiências locais foram alterando rápida ou lentamente, perceptível ou imperceptível aos olhos dos observadores as idéias que explicavam e justificavam o escravismo e os modos de aquisição, emprego, reprodução e desgaste desse escravo (SILVA, 2002, p. 81).


Os estudos de Costa e Silva nos levam a perceber que havia a chamada escravidão doméstica, que consistia em aprisionar alguém para utilizar sua força de trabalho, em geral, na agricultura de pequena escala, familiar. Se a terra era abundante, mas rareava mão-de-obra, esse tipo de escravidão servia para aumentar o número de pessoas a serem empregadas no sustento de uma família ou grupo. Afinal, a terra de nada valia sem que se tivesse gente empregada no cultivo de alimentos. Os escravos eram poucos por unidade familiar, mas a posse deles assegurava poder e prestígio para seus senhores, já que representavam a capacidade de auto-sustentação da linhagem.
O autor afirma que essa forma de escravidão integrativa e doméstica, possivelmente, as primeiras que conheceu a África, tem sido qualificada de benévola ou branda, quando comparada aos ferozes regimes escravocratas de Roma, Coréia, Cuba, Jamaica, sul dos Estados Unidos ou Brasil, contudo, não deixam de possuir as marcas de sofrimento da escravidão. Isto porque a escravidão nada mais é do que uma relação de poder e domínio originado e sustentado pela violência.
Ele chama a atenção para o fato de que nem sempre o escravo derivava da violência dos outros, do adversário ou do estrangeiro, algumas vezes, era produto da coação da sua própria gente. Não era só na guerra que se corria o risco de ser escravizado. Em muitas sociedades africanas, o cativeiro era a punição para quem fosse condenado por roubo, assassinato, feitiçaria e, às vezes, adultério. A penhora, o rapto individual, a troca e a compra eram outras maneiras de se tornar escravo. As pessoas podiam ser penhoradas como garantia para o pagamento de dívidas. Nesta situação, caso seus parentes saldassem o débito, extinguia-se o cativeiro. Tais formas de aquisição de cativos foram mais ou menos comuns em diferentes períodos e lugares da África. O rapto e o ataque a vilas se tornaram mais freqüentes quando o tráfico de escravos tomou grandes proporções.
Fosse como fosse, o certo é que, na África de terras extensas e dotada de instrumentos de trabalho muito rudimentares, era mais rico quem conseguisse multiplicar o número de homens e mulheres sob suas ordens. Era a posse do trabalho de outrem que garantia a expansão das riquezas. E era mais poderoso quem tivesse sob suas ordens grande quantidade de homens e armas.
Foi essa situação que os europeus encontraram na África. Não inventaram o comércio de escravos, mas só se aproveitaram de um estado de coisas que vinha de tempos remotos. Como explica o autor, os escravos eram disputados por pelo menos três grandes mercados: o local, o inter-regional e o oceânico, fosse atlântico ou índico, neste se incluindo o mar Vermelho. 
Enfim, o texto de Costa e Silva nos possibilitou a compreensão de que a escravidão existiu desde os tempos mais remotos e foi mudando ao longo dos séculos, mudando também conforme a região e a aplicação econômica do escravo. Sendo esta sempre violenta, sempre uma agressão de um ser humano contra outro ser humano, mas sempre mudando de roupagem. A escravidão é, portanto, analisada por Costa e Silva como um fenômeno econômico que, posteriormente, derivou em ações de discriminação racial.


 REFERENCIA

SILVA, Alberto da Costa e. “A escravidão entre os africanos”. In: A manilha e o Libambo: A África e a Escravidão (1500 – 1700). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 79-132.

4 comentários:

  1. PAZ AMADA O BLOG ESTA LINDO E EU AMEI O COMENTARIO DO TEXTO DE ALBERTO SILVA. TUDO DE BOM PRA VOCE SEJA FELIZ, SUCESSO SEMPRE SEI QUE MERECE...... BEIJOS.. CLAUDIA GOMES

    ResponderExcluir
  2. Nossa esse texto vai me ajudar muito...

    ResponderExcluir
  3. obrigada me ajudou muito a estudar para a prova da faculdade

    ResponderExcluir