sábado, 24 de dezembro de 2011

Feliz Natal e Ano Novo também!!!

Então é Natal
Então é natal, e o que você fez?
O ano termina, e nasce outra vez.
Então é natal, a festa Cristã.
Do velho e do novo, do amor como um todo.
... Então bom natal, e um ano novo também.
Que seja feliz quem, souber o que é o bem.
Então é natal, pro enfermo e pro são.
Pro rico e pro pobre, num só coração.
Então bom natal, pro branco e pro negro.
Amarelo e vermelho, pra paz afinal.
Então bom natal, e um ano novo também.
Que seja feliz quem, souber o que é o bem.
Então é natal, e o que a gente fez?
O ano termina, e começa outra vez.
E entao é natal, a festa Cristã.
Do velho e do novo, o amor como um todo.
Então bom natal, e um ano novo também.
Que seja feliz quem, souber o que é o bem.
Harehama, Há quem ama.
Harehama, ha…
Então é natal, e o que você fez?
O ano termina, e nasce outra vez.
Hiroshima, Nagasaki, Mururoa … Então é Natal
Então é natal, e o que você fez?
O ano termina, e nasce outra vez.
Então é natal, a festa Cristã.
Do velho e do novo, do amor como um todo.
Então bom natal, e um ano novo também.
Que seja feliz quem, souber o que é o bem.
Então é natal, pro enfermo e pro são.
Pro rico e pro pobre, num só coração.
Então bom natal, pro branco e pro negro.
Amarelo e vermelho, pra paz afinal.
Então bom natal, e um ano novo também.
Que seja feliz quem, souber o que é o bem.
Então é natal, e o que a gente fez?
O ano termina, e começa outra vez.

E entao é natal, a festa Cristã.
Do velho e do novo, o amor como um todo.
Então bom natal, e um ano novo também.
Que seja feliz quem, souber o que é o bem.
Harehama, Há quem ama.
Harehama, ha…
Então é natal, e o que você fez?
O ano termina, e nasce outra vez.
Hiroshima, Nagasaki, Mururoa …

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Identidade Nacional - 15 de Novembro, o que comemorar?


O Senhor, nosso Deus, está lutando por vocês, como prometeu. Por isso amém somente o Senhor, nosso Deus. Mas, se vocês não forem fiéis a Ele, e fizerem amizade com os povos que não servem a Deus, e se misturarem com essa gente... Eles se tornarão perigosos para vocês... (Josué 23:10-13).
Esse texto relata o momento em que Deus orientou o seu povo na conquista da terra prometida. Liderado por Josué, um líder divinamente escolhido, esse povo tomou posse esplendidamente de uma terra rica e muito produtiva.
A sublime característica do líder Josué foi a defesa da causa dos seus liderados. Ele não queria que seus compatriotas se misturassem com outros povos e que muito menos repartissem o que Deus lhes havia concedido. Isso não é xenofobia, mas Josué estava obedecendo a um mandamento divino de formar uma grande nação, com identidade própria, sem sincretismo religioso e cultural, onde o povo continuasse fiel ao único Deus, criador do céu e da terra.
Hoje são raros os líderes que verdadeiramente lutam pela causa da sua terra natal. Nesse mundo globalizado, onde as pessoas circulam livremente de um lugar para o outro, muitos representantes de nações caem na tentação de não defenderem a causa do povo que lideram. Em vez disso, governam em causa própria, tiram proveito político e econômico com a sua posição social. Muitas vezes, a bandeira que hasteiam não é a bandeira nacional. Não há amor e respeito à pátria.
Nós brasileiros temos que pensar em nosso País se quisermos ser uma grande nação, com riqueza, costume e hábitos próprios. Do jeito que toleramos os acontecimentos, corremos o risco de sermos um aglomerado de pessoas, sem identidade própria e sem poder de barganha.
Seria maravilhoso que o Brasil tivesse verdadeiros líderes, a exemplo do Primeiro-Ministro australiano Kevin Rudd, homem de brilho, inteligente, estudado, sem complexos e corajoso! Aliás, muitos outros países precisam de um líder assim! Recentemente, Rudd discursou duramente defendendo o seu país.
Em certo momento do seu discurso, se dirigindo aos críticos da cultura australiana, ele disse assim: “...Esta nossa cultura foi desenvolvida através de dois séculos de lutas, experiências e vitórias por milhões de homens e mulheres que buscaram liberdade. Falamos principalmente o Inglês, não espanhol, libanês, árabe, chinês, japonês, russo ou qualquer outro idioma. Então, se você deseja se tornar parte de nossa sociedade, aprenda o idioma.
A maioria dos australianos crê em Deus. Não se trata de um movimento direitista político, mas um fato, porque homens e mulheres cristãos fundaram esta nação em princípios cristãos, e isto está claramente documentado. É certamente apropriado exibir isto nas paredes de nossas escolas. Se Deus o ofende, então sugiro que você considere outra parte do mundo como seu novo lar, porque Deus faz parte da nossa cultura.
Aceitamos suas convicções e não as questionamos. Tudo que pedimos é que você aceite as nossas, e que viva em harmonia e desfrute o nosso país pacificamente. Este é nosso país, nossa terra e nosso estilo de vida. E nós lhe permitiremos toda oportunidade para desfrutar tudo isso, desde que você pare de reclamar, lamentar e se queixar sobre nossa bandeira, nosso penhor, nossas convicções cristãs e nosso modo de vida..."
De forma semelhante, precisamos amar nossa nação, nosso povo, nossos costumes e nossa língua. Isso não significa que deixaremos de amar os estrangeiros que aqui vivem pacificamente. Pelo contrário, eles sempre serão bem vindos. Entretanto, por direito, precisamos ter a nossa identidade nacional e nos livrar de indivíduos, inclusive brasileiros, que só querem tirar proveito da nação.
Que nessa semana, em que comemoramos a Proclamação da República e o Dia da Bandeira, possamos aproveitar a oportunidade para repensarmos o nosso Brasil.

É bom lembrarmos que os brasileiros foram criados e educados sob os princípios éticos e morais, tendo a Bíblia como base de ensinamento. Portanto, não nos deixemos ser influenciados por outros costumes e hábitos contrários às nossas convicções. Não nos calemos, mas em alto e bom som manifestemos a confiança neste país maravilhoso! Vamos recuperar a identidade do nosso Brasil!

Salve a República Federativa do Brasil! Salve a Bandeira Nacional!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Feliz Dia das Crianças!


Grande Homem é aquele que não perdeu o Coração de Criança

Todo mundo carrega dentro de si uma criança.
E todo mundo aprende a reprimi-la para ser adulto.
Crescemos e "temos" que ser sérios.
Quantas vezes você já não ouviu alguém dizer: "deixe de criancice!"?
E desde quando precisamos deixar de ser crianças?
Ria de você mesmo, seja "ridículo",
brinque na chuva, de fazer castelos na areia, de fazer castelos no ar...
sonhe, faça bagunça no meio da rua, cante na hora que der vontade,
converse com você mesmo como se tivesse conversando com um amiguinho,
assista desenho animado e veja a sua vida 
como se ela fosse um desenho animado,
brinque com uma criança... como uma criança...
Fique feliz simplesmente por ficar,
sorria e ria sem motivo,
ria de você, dos seus dramas, do ridículo das situações...
E acredite na pureza do ser humano...
na pureza de criança que talvez esteja escondida,
mas que existe em cada um de nós.
Para alguns, você vai parecer louco, bobo ou infantil...
mostre a língua para esses "alguns" e diga,
como uma criança: "sou bobo mas sou feliz!"
Esses "alguns" com certeza têm uma criança maluquinha,
doida pra fazer bagunça também.
A vida já é muito complicada para vivermos sérios e carrancudos.
E isso tudo não é deixar de viver com seriedade...
é viver com a leveza de uma criança
e obrigações de adulto.
Fica muito mais fácil viver assim.
Então, coloque uma panela na cabeça
e solte o menino(a) maluquinho(a) que existe dentro de você!
Só não vale subir no muro e achar que sabe voar, né?


Feliz Dia das Crianças!

sábado, 1 de outubro de 2011

“A ESCRAVIDÃO ENTRE OS AFRICANOS”


Alberto da Costa e Silva é diplomata de carreira, historiador, membro da Academia Brasileira de Letras. Foi embaixador na Nigéria, no Benim, em Portugal, na Colômbia e no Paraguai. É autor de mais de 30 livros, entre antologias, ensaios e poesias. Africanista e estudioso da escravidão, publicou, dentre outros livros, A enxada e a lança; Um rio chamado Atlântico; Francisco Félix de Souza, mercador de escravos; e A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700, objeto desta reflexão, e que, lhe rendeu o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, e o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Biblioteca Nacional.
Com a manilha e o libambo, Alberto da Costa e Silva criou uma metáfora para explicar, num extenso ensaio de mais de mil páginas, o que foi a África colonial: a escravidão sustentando o desenvolvimento de uma economia que, descoberta e explorada pelos europeus, expandiu-se e serviu para acelerar o crescimento de outras regiões do mundo, especialmente do Brasil, cuja história é inseparável da história africana, tema que o consagrou como historiador e africanólogo.
O texto em discussão neste estudo, “A escravidão entre os africanos”, é parte integrante do livro A manilha e o libambo: a África e a escravidão (1500 a 1700). Trata-se do Capítulo 3, onde o autor põe em questão, entre outras teses, a de que a escravização do homem teria origem nos instrumentos e processos de domesticação dos animais, e propõe o inverso: a de que a escravidão do homem teria vindo antes da domesticação dos animais, sem recusar, contudo, que os dois processos, em algumas culturas, tenham andado de mãos dadas. Segundo ele, ao domesticar os animais o homem usou os mesmos processos e instrumentos que usou para controlar os escravos: a coleira, o cabresto, a peia, a chibata e a castração, e para distinguir a posse, o corte na orelha e a marca com ferro ardente.
O autor afirma ainda, que havia escravidão entre muitos grupos de índios americanos que não domesticavam animais, com exceção da lhama. Na África, só a galinha d’Angola era domesticada, os outros animais já vieram domesticados do Oriente Médio, pelo Mediterrâneo. Já a escravidão, anterior à criação de animais, vem dos primórdios da humanidade, desde a formação das primeiras comunidades, sendo, portanto, muito antiga: quando uma aldeia era atacada, e todos os homens eram mortos, as mulheres e crianças, sem ter para onde ir, muitas vezes acompanhavam os vencedores na condição de escravos. 
Num esboço das diversas feições que tomou a escravidão na áfrica, Silva afirma que ela variava de região para região, de cultura para cultura e de grupo para grupo, o que nos leva a compreensão de que a escravidão africana se deu de diversas formas.

O escravo de um grupo agrícola era utilizado de modo distinto ao de um grupo predominantemente pastoril. Aqui, seria tratado como pessoa da família, ou quase, a comer na mesma gamela que o amo. Ali, com a violência e as humilhações que merece o inimigo – nu ou com um trapo amarrado à virilha, a alimentar-se de restos lançados ao chão, sem conhecer descanso entre os empurrões e as bofetadas. Acolá, com o mesmo cuidado que uma cabra ou uma ovelha, uma vez que tinha como esses animais, valor de uso e troca. Mais adiante, até com certo mimo [...] porque se destinava ao sacrifício ritual, e por toda parte com o passar do tempo, o exemplo externo, o contato nos mercados, os relatos dos peregrinos e dos viajantes, os casamentos entre membros de aldeias apartadas e as experiências locais foram alterando rápida ou lentamente, perceptível ou imperceptível aos olhos dos observadores as idéias que explicavam e justificavam o escravismo e os modos de aquisição, emprego, reprodução e desgaste desse escravo (SILVA, 2002, p. 81).


Os estudos de Costa e Silva nos levam a perceber que havia a chamada escravidão doméstica, que consistia em aprisionar alguém para utilizar sua força de trabalho, em geral, na agricultura de pequena escala, familiar. Se a terra era abundante, mas rareava mão-de-obra, esse tipo de escravidão servia para aumentar o número de pessoas a serem empregadas no sustento de uma família ou grupo. Afinal, a terra de nada valia sem que se tivesse gente empregada no cultivo de alimentos. Os escravos eram poucos por unidade familiar, mas a posse deles assegurava poder e prestígio para seus senhores, já que representavam a capacidade de auto-sustentação da linhagem.
O autor afirma que essa forma de escravidão integrativa e doméstica, possivelmente, as primeiras que conheceu a África, tem sido qualificada de benévola ou branda, quando comparada aos ferozes regimes escravocratas de Roma, Coréia, Cuba, Jamaica, sul dos Estados Unidos ou Brasil, contudo, não deixam de possuir as marcas de sofrimento da escravidão. Isto porque a escravidão nada mais é do que uma relação de poder e domínio originado e sustentado pela violência.
Ele chama a atenção para o fato de que nem sempre o escravo derivava da violência dos outros, do adversário ou do estrangeiro, algumas vezes, era produto da coação da sua própria gente. Não era só na guerra que se corria o risco de ser escravizado. Em muitas sociedades africanas, o cativeiro era a punição para quem fosse condenado por roubo, assassinato, feitiçaria e, às vezes, adultério. A penhora, o rapto individual, a troca e a compra eram outras maneiras de se tornar escravo. As pessoas podiam ser penhoradas como garantia para o pagamento de dívidas. Nesta situação, caso seus parentes saldassem o débito, extinguia-se o cativeiro. Tais formas de aquisição de cativos foram mais ou menos comuns em diferentes períodos e lugares da África. O rapto e o ataque a vilas se tornaram mais freqüentes quando o tráfico de escravos tomou grandes proporções.
Fosse como fosse, o certo é que, na África de terras extensas e dotada de instrumentos de trabalho muito rudimentares, era mais rico quem conseguisse multiplicar o número de homens e mulheres sob suas ordens. Era a posse do trabalho de outrem que garantia a expansão das riquezas. E era mais poderoso quem tivesse sob suas ordens grande quantidade de homens e armas.
Foi essa situação que os europeus encontraram na África. Não inventaram o comércio de escravos, mas só se aproveitaram de um estado de coisas que vinha de tempos remotos. Como explica o autor, os escravos eram disputados por pelo menos três grandes mercados: o local, o inter-regional e o oceânico, fosse atlântico ou índico, neste se incluindo o mar Vermelho. 
Enfim, o texto de Costa e Silva nos possibilitou a compreensão de que a escravidão existiu desde os tempos mais remotos e foi mudando ao longo dos séculos, mudando também conforme a região e a aplicação econômica do escravo. Sendo esta sempre violenta, sempre uma agressão de um ser humano contra outro ser humano, mas sempre mudando de roupagem. A escravidão é, portanto, analisada por Costa e Silva como um fenômeno econômico que, posteriormente, derivou em ações de discriminação racial.


 REFERENCIA

SILVA, Alberto da Costa e. “A escravidão entre os africanos”. In: A manilha e o Libambo: A África e a Escravidão (1500 – 1700). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 79-132.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ginzburg e a Obra "O Queijo e os Vermes"

Carlo Ginzburg é um renomado Historiador e Antropólogo italiano.  Nascido no dia 15 de abril de 1939 na cidade de Turim, Itália e filho do tradutor Leone Ginzburg com a romancista Natalia Ginzburg. Foi aluno da Escola Normal Superior de Pisa em Roma e do Instituto Warburg na Inglaterra. Formou-se em História e passou a lecionar na Universidade de Bolonha, na Itália. Mas logo se mudou para a América onde passou a lecionar nas universidades de Harvard, Yale, Princeton e da Califórnia.
É membro honorário da Academia Americana de Artes e Ciências e colaborador de importantes revistas das Ciências Humanas, tais como: Past and Present, Annales e Quaderni Storici. Está entre os intelectuais mais notáveis da Itália e seus livros já foram traduzidos para 15 línguas. Publicou diversos livros: Os Andarilhos do Bem (1966), História Noturna (1991), Mitos, Emblemas e Sinais (1989) e Olhos de Madeira (2001). Entretanto o grande sucesso, que o tornou mundialmente conhecido, foi O Queijo e os Vermes.
Esta é, sem dúvida, a principal obra de Carlo Ginzburg, datada de 1976 que narra o cotidiano, a vida e o julgamento inquisitorial de um moleiro de Montereale, zona italiana do Friuli. Domenico Scandella, conhecido por Menocchio, que foi perseguido pela Inquisição por disseminar suas idéias heréticas ao povo de sua aldeia. Não se trata apenas de um relato incomum para a época, que não acontecia habitualmente nem de algum personagem bizarro, embora Menocchio seja também peculiar.
Ainda nos Prefácios à Edição Inglesa e Italiana, o autor revela o contexto em que a obra foi produzida. Na década de 1960, mais precisamente no ano de 1962, Ginzburg realizava uma pesquisa em um arquivo da Cúria Episcopal de Udine na Itália. E se deparou com um arquivo que guardava uma extensa documentação sobre processos da Inquisição e registros antigos, sobretudo do século XVI, que por curiosidade ele veio a anotar o número. Tratava-se do processo de um moleiro chamado Domenico de Scandella, que afirmava que a vida surgiu da “putrefação”.
Ginzburg procurava outros arquivos sobre seitas heréticas e bruxaria para uma pesquisa que daria forma ao que veio ser um primeiro livro, considerado ainda hoje por ele seu estudo mais inovador. I benandant - Os andarilhos do bem, - título brasileiro, publicado em 1966, que contava a história dos benandanti, grupo de friulanos que acreditava defender as colheitas do mau olhado feiticeiro.
Como afirma o próprio Ginzburg (2006, p. 9), “nos anos que se seguiram, essa anotação ressaltava periodicamente de meus papéis e se fazia presente em minha memória”. Assim, o pesquisador iniciou em 1970 a pesquisa sobre a vida desse personagem, até então, anônimo da História.
Ginzburg, afirma ainda, que, as condições materiais que credenciaram o resgate de um personagem como Menocchio haviam se dado, por um lado, pela “invenção da imprensa” que tornou possível às mãos de um simples moleiro “confrontar os livros com a tradição oral em que havia crescido e Ihe forneceu as palavras para organizar o amontoado de idéias e fantasias que nele conviviam” e por outro, pela “Reforma que Ihe deu audácia para comunicar o que pensava ao padre do vilarejo, conterrâneos e inquisidores, mesmo não tendo conseguido dizer tudo diante do papa, dos cardeais e dos príncipes, como queria” (2006, p.25).
Mennochio nasceu em 1532, em Montereale, uma pequena aldeia nas colinas do Friuli. Era casado e tinha sete filhos. Moleiro de profissão, respeitado na comunidade, autodidata, alfabetizado, tinha uma vida normal como cidadão de Montereale, dedicado à suas atividades de sustento da família, até ser chamado ao Tribunal do Santo Ofício, em 1583 sob a acusação de ter pronunciado palavras “heréticas e totalmente ímpias” sobre Cristo.  
Em um de seus depoimentos, quando perguntado sobre o que fazia, ele disse (2006, p. 31), “[...] que sua atividade era de moleiro, carpinteiro, marceneiro, pedreiro e outras coisas”. Durante certo período, foi designado como magistrado da aldeia e dos povoados ao redor de Montereale. Essa função pública era designada a cidadãos que possuíssem algum estudo.  Àquela época existiam escolas públicas, mas não em Montereale.  Presume-se que ele tenha passado pelas escolas das cidades de Pordeone e Aviano. Assim, podemos verificar que Menocchio possuía a capacidade de ler, escrever e contar, o que lhe dava algum destaque no povoado onde vivia.
Menocchio dizia não acreditar que o Espírito Santo governasse a Igreja, acrescentando: "Os padres nos querem debaixo de seus pés e fazem de tudo para nos manter quietos, mas eles ficam sempre bem", e ele "conhecia Deus melhor do que eles" (2006, p.32). Fazia estranhas afirmações que os conterrâneos relatavam de maneira fragmentada, desconexa, ao vigário-geral: “O que é que vocês pensam que Jesus Cristo nasceu da virgem Maria? Não é possível que ela tenha dado à luz e tenha continuado virgem. Pode muito bem ser que ele tenha sido um homem qualquer de bem, ou filho de algum homem de bem” (2006, p. 35).
O personagem fundamenta grande parte de suas críticas em cima da Igreja e dos padres. Ele afirma que a virgindade de Maria foi forjada, assim como a Criação do mundo por Deus, a crucificação de Jesus, os Evangelhos, a adoração de imagens, os sacramentos, o inferno e diversos outros pontos base dos dogmas católicos. Ele criticava, além da religião, o poder dos ricos que se escondiam atrás da língua latina com a cumplicidade da Igreja Católica Apostólica Romana, igualmente proprietária de terras e exploradora.
Assim, diante dos diversos testemunhos que se acumulavam contra as heresias de Menocchio, o mesmo foi aconselhado a se apresentar espontaneamente ao Santo Ofício e admitir a sua culpa, declarando que não acreditava em suas próprias afirmações heréticas. Desse modo, Menocchio o fez, mas dado o andamento do inquérito, o inquisidor Felice da Montefalco ordenou a prisão dele e o mesmo foi submetido em 7 de fevereiro de 1548 a um primeiro interrogatório. Durante o interrogatório, quando questionado sobre suas blasfêmias acerca dos dogmas da igreja e sua singularíssima cosmogonia, disse:

Eu disse que segundo meu pensamento e crença tudo era um caos [...] e de todo aquele volume e movimento se formou uma massa, do mesmo modo o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses foram os anjos. A santíssima majestade quis que aquilo fosse Deus e os outros, anjos, e entre todos aqueles anjos estava Deus, ele também criado daquela massa, naquele mesmo momento (Ginzburg, 2006, p. 36-37).


Esse trecho em particular, chama a atenção pela cosmogonia proferida pelo personagem. Ele explicava sua cosmogonia tranquilamente, com segurança, aos inquisidores estupefatos e curiosos. Apesar da grande variedade de termos teológicos, um ponto permanecia constante: a recusa em atribuir a divindade à criação do mundo e, ao mesmo tempo, a obstinada reafirmação do elemento aparentemente muito bizarro: O queijo, os vermes- anjos nascidos do queijo. Alegando, no entanto, a originalidade de suas idéias.
Segundo o autor, Menocchio era conscientemente orgulhoso da originalidade de suas idéias e, por isso, desejava expô-las as mais altas autoridades civis e religiosas. Ao mesmo tempo, porem, sentia necessidade de dominar a cultura dos seus adversários. Compreendia que a escritura e a capacidade de dominar e transmitir a cultura escrita eram fontes de poder. Não se limitou, portanto, a denunciar a "traição dos pobres" peIo uso de uma língua burocrática (e sacerdotal) como o latim.
Menocchio teve acesso a uma grande quantidade de títulos que acabaram por forjar e fomentar a sua bagagem discursiva, ajudando a compor as suas próprias idéias. O moleiro articulava seus próprios pensamentos, alimentado pela cultura escrita e oral de sua época.
Ele estava se contrapondo a um dos pilares da religião católica: o criacionismo. Deus sempre existiu antes mesmo de todas as coisas; criou todas as coisas e não foi criado, pois sempre existiu. Deus é eterno, portanto, não teve início e não terá fim. Quando ele diz que tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos, questionou a eternidade de Deus e a interpretação das Sagradas Escrituras. “Deus também teria sido criado desse Caos?” Essa pergunta apareceria na boca do inquisidor logo em seguida. Afinal, era isso que estava implícito na fala de Menocchio. Além disso, esta fala poderia ter sido uma influência sofrida de alguma obra. Quando perguntado de onde Menocchio tinha tirado aquelas idéias, ele respondeu: “[...] li isso no Fioretto della Bibbia, mas as outras coisas que eu disso sobre o Caos eu tirei da minha própria cabeça.” (Ginzburg, 2006, cap. 25, p. 95)
Diante desse dilema quase incompreensível, é pertinente considerar que, boa parte das idéias expostas por Menocchio, tenha surgido em meio à cultura oral. Assim, voltamos a dois fatores históricos, já citados anteriormente, e que contribuíram para o surgimento de tais idéias: a Reforma religiosa e a difusão da imprensa. O fenômeno da imprensa foi primordial para a formação da bagagem discursiva do moleiro. A grande maioria dos termos utilizados por Menocchio pode ser associada ao Fioretto della Bibbia. Essa obra forneceu os elementos lingüísticos e culturais que permitiram ao moleiro a sua elaboração teórica sobre a origem do mundo.
Ginzburg (2006, cap. 29, p. 107), nos mostra que no Fioretto, capítulo XXVI, há uma passagem sobre a criação:

Muitos filósofos foram enganados e incorreram em grandes erros sobre a criação das almas. Alguns disseram que as almas são feitas eternamente. Outros dizem que todas as almas são uma e que os elementos são cinco, os quatro citados acima e ainda um outro, chamado’ orbis’, e dizem que desse ‘orbis’ Deus fez a alma de Adão e todas as outras. E por isso dizem que o mundo não acabara jamais, porque, quando o homem morre, retorna aos seus elementos.


Assim, verificamos na cosmogonia de Menocchio algo que não é bem explicado e claro. Essa confusão deriva da cultura oral e da apropriação do discurso. No caso de Deus, o moleiro é bem confuso. Para ele, Deus é um pai. “[...] Deus é um pai para os homens: todos somos filhos de Deus, da mesma natureza que o do que foi crucificado. Todos: cristãos, heréticos, turcos, judeus [..]” (Ginzburg, 2002, cap. 31, p. 117). Em outros momentos, Menocchio faz alusão a Deus, distinto da Santíssima majestade; por outras vezes, identifica-a com o espírito de Deus; compara Deus a um grande capitão que enviou um representante junto aos homens, seu filho. Ele sempre pediu perdão, não negava suas idéias, no máximo dizia que era "coisa do diabo", e nunca dizia que conhecia pessoas com os mesmos ideais que os seus. Assim, conseguiu ser absolvido e condenado a não se afastar da cidade de Montereale, além de usar um hábito com a cruz sobre a roupa como sinal de sua blasfêmia e heresia.
Embora tenha sido julgado e condenado pela Santa Inquisição, Menocchio continuara tendo prestígio na comunidade, sendo inclusive, renomeado administrador da Paróquia de Montereale, apesar do seu isolamento. Entretanto, o moleiro não conseguia deixar de falar e pensar as suas “teorias” e blasfêmias. Algo nele parecia ser mais forte do que o temor pela sua vida. A partir desse momento, as suas “heresias” não só eram sabidas somente pelo povo de Montereale. Sua fama atingia outras cidades: “Vocês pensam que Cristo nosso senhor era filho da virgem Maria, mas como, se essa virgem Maria era uma puta? Como é que vocês querem que Cristo tenha sido concebido pelo espírito santo se ele nasceu de uma puta?”. (Ginzburg, 2006, cap. 51, p. 159).
A continuidade na pregação de suas idéias heréticas acabou gerando um segundo julgamento para Menocchio, que em 1599 acabou mais uma vez condenado, torturado e morto na fogueira.
Um grande problema encontrado pelos inquisidores foi em que heresias classificarem o pensamento de Menocchio. Primeiro Ginzburg pensou nele como um luterano, depois como um encratista ou um anabatista, mas pode-se chama-lo de pertencente a "um ramo autônomo do radicalismo camponês (...) muito mais antigo do que a Reforma" (2006, p. 70).
A Igreja combatia neste momento uma ideologia pré-Contra-Reforma erudita ao lado de uma cultura popular semi-pagã, o que colocou os bispos em uma situação incômoda, pois eles não conseguiam relacionar as idéias de Menocchio com nenhum esquema herético pré-definido. Os inquisidores interpretavam as crenças que eles não conheciam dentro de um código fixo diferente e, para eles, mais claro, cheio de estereótipos.
Assim, podemos identificar no trabalho de Ginzburg, algumas obras citadas por Menocchio nos processos e que podem elucidar a questão de como surgiram tais influências na memória do moleiro. No primeiro processo (1584) foram citados os seguintes livros:
- Bíblia (em latim vulgar);
- ll fioreto della bibbia (tradução de uma crônica medieval catalã);
- Il lucidario della Madonna (do dominicano Alberto da Castello);
- il lucendario de Santi (de Jacopo de Varigine);
- Historia de Giudicio ( pequeno poema anônimo);
- Il cavallier Zuanne de mandavilla (livro de viagem de Sir John Mandeville);
- Il Sogno dil Caravia (edição de Veneza datada de 1541);
Ginzburg conseguiu levantar também, o mapeamento dos livros que foram citados por Menocchio no segundo processo (1599):
 - Il supplimento delle Cronache (de Jacopo Filippo Foresti);
- lunario ao modo di Italia calculato composto nella città di Pesaro dal Eccmo dottore Marino Camilo de Leonardis;
- Decameron (Boccaccio – versão não censurada);
- Alcorão (em 1547, sai em Veneza uma tradução italiana.).
As obras acima citadas constam nos autos do processo como livros que Menocchio teria se referido. Além disso, o moleiro teve acesso à cultura oral de seu tempo e às leituras em voz alta para muitas pessoas.
Outro lugar social de difusão de idéias eram os moinhos. Nesse local as pessoas se encontravam e discutiam sobre vários assuntos. Foi principalmente no seu moinho que Menocchio difundiu suas reflexões e discutiu como os seus vizinhos e amigos. Aliás, é em função dessas discussões que as suas “heresias” acabaram por levá-lo aos dois julgamentos.
Destes livros, um único fora comprado, alguns presenteados e outros emprestados. Como bem mencionou Ginzburg “numa aldeia tão pequena como Montereale, tais dados são significativos e apontam para uma rede de leitores que superam os obstáculos dos recursos financeiros exíguos, passando livros de mão em Mao” (2006, p. 68).
 Vimos que Ginzburg desbravou os processos de Menocchio procurando desvendar os prováveis, ou improváveis, caminhos assumidos pela interpretação peculiar dos textos lidos, capazes de ensejar a elaboração da fantástica tese do queijo e dos vermes.
Ginzburg analisa o processo inquisitório, partindo da vida cotidiana desse moleiro nos campos italianos do século XVI, em luta contra o avanço protestante, até chegar aos pensamentos específicos deste interessante personagem. Sua análise deu corpo a uma profunda reflexão sobre a escrita da história, suas dificuldades, desafios e possibilidades. Ele faz um estudo da história cultural e das mentalidades, numa prática de micro-história, que revela as classes subalternas e acaba desenrolando numa hipótese geral sobre a cultura popular, na qual o autor trata da influência mútua entre as culturas popular e erudita.
Segundo sua análise, aqueles exóticos relatos quando do primeiro e segundo interrogatórios, revelavam o conflito entre duas culturas que ainda habitavam, naquele período: A cultura dos inquisidores, erudita, de saber clerical, e a cultura de Menocchio, popular, com raízes em remotas tradições camponesas, que dava uma interpretação amplamente não canônica à origem católica do mundo.
É, portanto, no cruzamento entre a micro-história de nosso moleiro e a macro-história das Reformas e das transformações que marcaram a Época Moderna que podemos entender a “produção” de um personagem como Menocchio. Domenico Scandella encarnou a dinâmica da circularidade cultural, tendo acesso a livros produzidos pela cultura letrada e adaptando suas leituras às vivências cotidianas de uma comunidade camponesa.
Finalmente, compreendemos “o queijo e o os vermes” como sendo uma obra historiográfica que se insere no contexto de uma Nova História Cultural que busca resgatar a voz de Menocchio, um mártir da Inquisição que poderia ter passado em branco para a história, a fim de identificar a cultura popular à época do Renascimento e da Contra Reforma Católica. Enfim, a história cultural tal como concebida por Carlo Ginzburg, que se interessa pelo detalhe e pelo contexto, pelas micro e pelas macro-questões que, articuladas, podem nos aproximar um pouco mais de nossos antepassados.



BIBLIOGRAFIA


GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes - o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Tradução Maria Betânia Amoroso - São Paulo, Cia. das Letras, 2006.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Da Liberdade do Cristão - Martinho Lutero


Falar da obra “Da Liberdade do Cristão” do Reformista Martinho Lutero exige, necessariamente, que conheçamos um pouco de seu autor, sua obra e em que circunstancias a mesma foi produzida. 

Martinho Lutero nasceu em Eisleben, na Alemanha, no ano de 1483. Foi uma criança inteligente e dotada de uma viva sensibilidade. Teve uma formação severa e, em 1505, recebeu o grau de Mestre em Artes pela Universidade de Erfurt, uma das principais universidades alemãs da época e, naquele mesmo ano iniciou o curso de Direito, conforme desejava seu pai, mas logo o deixou, entrando para a ordem dos Agostinianos de Erfurt, após sobreviver aos raios que caíram próximo de si durante uma tempestade. O futuro reformador sofria das angústias existenciais de sua época, como o medo da morte e a incerteza da salvação. 

Em 1507, Lutero foi ordenado sacerdote; no ano seguinte começou a lecionar teologia na Universidade de Wittenberg e, em 1512 tornou-se doutor em teologia. Como homem, de elevado intelecto e consideráveis habilidades pessoais foi, por isso, galgando postos eclesiásticos. Seu grande conhecimento bíblico, especialmente seus estudos sobre os escritos de Paulo, que declarara que “o justo viverá pela fé”, fez com que o Agostiniano de Erfurt percebesse claramente os erros da Igreja Católica Romana, chegando a uma nova fé, que enfatizava a graça e a salvação como dons gratuitos de Deus, mediante a fé. 

Esta nova fé tornou-se o ponto fundamental de suas preleções. No seu desenvolvimento começou a criticar o domínio da filosofia tomista sobre a teologia romana. Ele estudava os escritos de Agostinho, Anselmo e Bernardo de Claraval, descobrindo nestes, a fé que começava a proclamar. Em 1516, tornou-se pároco da igreja de Wittenberg, e pregador popular, proclamando a sua nova fé. 

Ao mesmo tempo em que Lutero chegava àquelas conclusões acerca da fé, pregadores vendiam indulgências na Alemanha para financiar a reconstrução da Basílica de São Pedro, em Roma. Lutero divulgou, então, suas 95 Teses, esclarecendo o engano que era provocado pelas indulgências e se opondo à venda das mesmas, porque as tais eram uma espécie de graça concedida pela Igreja aos seus membros, perdoando total ou parcialmente a pena devida a um pecado; porque, para ele, o homem é justificado, somente pela fé e pela graça divina. 

Segundo Lutero, a compra das indulgências ou a obtenção das mesmas de qualquer outra maneira era incapaz de impedir Deus de aplicar suas punições temporais e de intervir na salvação. Lutero foi contrário àquela prática afirmando, ainda, que a mesma se tornara uma fábrica de dinheiro para a Igreja. Em razão disso, o Reformador Alemão acabou por ser excomungado pela Igreja, entre o final do ano de 1520 e o início de 1521, por não se retratar. 

Entretanto, em1520, o Mestre de Wittemberg havia publicado uma série de escritos atacando à Igreja, se defendendo da mesma ou se dirigindo à população alemã. Entre esses escritos destaca-se a obra Da Liberdade do Cristão. 

Escrita, inicialmente, com o objetivo de apresentar a doutrina bíblica da justificação pela fé ao papa Leão X, Lutero mostra a inteira liberdade do cristão, como sacerdote e rei, sobre todas as coisas exteriores, mas como exigência, um perfeito amor ao próximo. Contudo, o Papa não aceitou os escritos de Lutero, os considerando heréticos. Como conseqüência, Lutero publicou, no mesmo ano, a referida obra em alemão, apresentando-a a toda sociedade. A ideia de liberdade associada à idéia de servidão norteia todo o tratado Da Liberdade do Cristão. 

A obra é composta de 30 itens, nos quais o autor ressalta três pontos principais do Cristianismo autêntico: fé, palavra de Deus e obras. São os três pilares que constituem a base da verdadeira vida cristã e o princípio da liberdade que movem o cristão para Deus, por meio de Cristo. 

Lutero afirmou logo no início da obra, que “um cristão é um senhor livre sobre todas as coisas e não se submete a ninguém”; mas também, que, “um cristão é um súdito e servidor de todas as coisas e se submete a todos” (Lutero. 1998 p.25). Ele inicia sua explanação citando os textos de 1 Co 9.19 e Rm 13.8, que põem em evidência o paradoxo entre a liberdade e a servidão. Essas citações têm um propósito, seu objetivo é destacar a dupla natureza presente em Cristo e no homem. Cristo, por exemplo, foi simultaneamente livre e servo, uma vez que tinha a forma de Deus (natureza divina) e de servo (natureza humana). 

Tais afirmações que, de início, parecem contraditórias, se dão porque, segundo o Reformador Alemão, o homem, assim como Cristo, também possui uma natureza dupla: a espiritual (pessoa interior) e a carnal (pessoa exterior). Tal distinção, diz Lutero, faz com que as escrituras afirmem coisas contraditórias acerca da mesma pessoa. 

Explanada a ideia de liberdade associada à idéia de servidão o autor passa a ressaltar os três pontos principais do Cristianismo autêntico: Palavra de Deus, fé e obras, os três pilares que constituem a base da verdadeira vida cristã e o princípio da liberdade que movem o cristão para Deus, por meio de Cristo. 

Dessa forma, o próximo passo de Lutero é mostrar que a “pessoa interior” não é afetada por elementos externos. Ele pergunta, por exemplo, se o estado de saúde pode libertar ou conceder justiça a alma, ou ainda se o modo de se vestir ou se portar religiosamente, a exemplo dos sacerdotes, podem conceder justiça e liberdade à alma. “Quando, porém, ela possui a Palavra, de nada mais necessita, pois na Palavra Ela encontrará satisfação, alimento, alegria, paz, luz, ciência, verdade, sabedoria, liberdade e todos os bens e abundancia.” (LUTERO, 1998, p. 27). 

Lutero, respondendo às suas próprias perguntas, diz que não! Para ele a única coisa que pode conceder vida, justiça e liberdade cristã é o “sacrossanto verbo de Deus, o Evangelho de Cristo”. A alma pode carecer de qualquer coisa, exceto da palavra de Deus, pois só ela pode conceder virtudes. 

Continuando o seu discurso Lutero pergunta agora que Palavra é esta ou de que maneira se deve usá-la? Sua resposta mais uma vez é enfática, bem ao estilo paulino: “O Evangelho de Deus a respeito de seu Filho que se fez carne, sofreu, ressuscitou e foi glorificado pelo Espírito santificador”. (LUTERO, 1998, p. 29) 

Por essa razão, Lutero afirma que “o correto seria que a única obra e prática de todos os cristãos fossem formar-se através da Palavra e através de Cristo, praticando e fortalecendo continuamente essa fé” (LUTERO, 1998, p. 29). 

Para Lutero o homem não é justificado pelo que faz ou pelas ações que sofre do mundo externo, mas pela fé somente. Sua alma não pode ser influenciada por fatores externos, mas só pela graça divina. Ele lembra que “todos pecaram” (Rm 3.23) e que “não há quem faça o bem” (Rm 3.10) e assim procura mostrar que todos, sem exceção, carecem dessa graça. É nesta pessoa interior que reina a fé, diz Lutero, e como sua justificação não pode ocorrer por obra alguma. A maior preocupação de qualquer cristão deve ser o fortalecimento dessa fé. Através da fé, a palavra de Deus torna a alma sagrada, justa, verdadeira, pacífica, livre e plena de bondade, fazendo dela um verdadeiro filho de Deus. 

O autor coloca também que “a fé não somente faz que a alma se torne livre, cheia de graça e bem aventurada, semelhante à Palavra divina, mas também une a alma com Cristo, como uma noiva com seu noivo” (Lutero, 1998, p. 37). Na teologia católica o casamento é um sacramento, e que, portanto, concede graça. Mas Lutero não fala de um casamento entre um homem e uma mulher, mas o casamento entre a alma humana e Cristo. Este sim é o casamento mais perfeito de todos, pois os casamentos humanos são figuras tênues desse matrimônio único. Tal casamento, segundo Lutero, torna os bens da alma comuns aos de Cristo. Assim, os pecados, a morte e o inferno se tornam de Cristo e a graça, a vida e a salvação se tornam do homem, que é liberto de todos os seus pecados. 

Lutero retoma a figura do matrimônio para mostrar que aquele que crê em Cristo compartilha do seu sacerdócio e reinado. O reinado torna o fiel senhor de tudo pelo poder espiritual. O sacerdócio o torna digno de comparecer perante Deus, orar pelos outros e ensinar sobre as coisas de Deus. Tudo isso suscita uma pergunta: “que diferença haveria entre os sacerdotes e os leigos na Cristandade, se todos são sacerdotes?” (LUTERO, 1998, p. 45). 

Ele enfatiza que as Sagradas Escrituras não fazem tal distinção. Ele entende que essa separação acabou dando poder ao grupo dos sacerdotes, transformando-o numa tirania. Outra conseqüência dessa divisão seria a perda do conhecimento da graça, da fé, da liberdade e de Cristo, dando lugar às obras e leis humanas. 

Finalizando a primeira parte do texto, dedicada ao homem interior, Lutero destaca que é preciso pregar com o objetivo de promover a fé em Cristo, explicando o motivo da sua vinda e o que foi trazido e concedido por Ele. Tal pregação teria o poder de alegrar e confortar os corações daqueles que a ouvem. Ele critica os que pregam que o conhecimento da vida, das obras e palavras de Jesus seriam suficientes como exemplo de vida a ser concretizada. Sua crítica também se estende aos que se silenciam totalmente a respeito de Cristo, ensinando em seu lugar leis e decretos humanos. Por fim aos que apelam à emoção dos ouvintes. 

Nessa perspectiva, Lutero inicia a segunda parte do texto dedicando-se à pessoa exterior. Diante de sua explanação tão enfática acerca da suficiência da fé e da insuficiência das obras abordadas até o momento, Lutero imagina que uma pergunta poderia surgir: “Ah, se a fé é tudo e vale por si só para tornar justo, por que é que as boas obras foram ordenadas”. (LUTERO, 1998, p. 47) 

Ele responde dizendo que “caso fôssemos total e perfeitamente interiores e espirituais de fato seria assim, porém, enquanto vivemos na carne é necessário sermos servos de tudo e a todos sujeito” (1998, p. 47). Se o homem interior é livre, como já foi explicado na primeira parte, o homem exterior é servo. 

Para Lutero, a relação entre liberdade e servidão, existe ainda, porque, apesar de o homem ser livre, justificado pela fé, este mesmo homem continua, contudo, com sua vida física sobre a Terra, tendo que governar o seu próprio corpo e conviver com outras pessoas, sendo as obras o meio para essa realização; sobretudo, porque só se pode servir e amar a Deus quando se serve e ama ao próximo, uma vez que “da fé fluem o amor e o prazer em Deus, e do amor flui uma vida livre, animada e feliz, para servir desinteressadamente ao próximo” (LUTERO, 1998, p. 49). 

Para explicar a função que ocupa as obras na vida do crente, Lutero utiliza como analogia a vida de Adão e Eva no paraíso. O trabalho que realizavam no jardim (Gn 2.15) não visava à obtenção da justiça, já que ainda não havia pecado. Tais obras eram realizadas unicamente para a glória de Deus. Apenas duas coisas tornam o homem bom ou mau, a fé a e incredulidade. A fé o torna justo e a incredulidade o condena. 

Lutero gosta de ilustrações e para mostrar de forma clara que a fé precede as obras, ele explica que uma árvore que produz bons frutos não é saudável por causa dos frutos, mas os frutos é que são bons por causa da árvore. Árvore saudável (justificada por meio da fé) produz bons frutos. Árvore doente (incrédula e, portanto condenada) produz maus frutos. Não importa se os frutos de um incrédulo parecem bons. Seus frutos são maus porque não são para glória de Deus. Ele é da opinião de que quando Jesus disse que “pelos seus frutos os conhecereis” está confirmando aquilo que já foi dito: os frutos são a forma visível de algo que já ocorreu no homem interior (invisível). Lutero destaca ainda outra coisa importante: caso um crente justificado pela fé produza uma obra má isto não faz dele uma pessoa má ou condenada. A única coisa que pode torná-lo mau é a incredulidade. Lutero procura deixar bem claro que não condena as obras. O que ele condena é o ensinamento que afirma que elas concedem justiça. 

Lutero também encontra espaço para falar sobre o trabalho. Nesse sentido, ele defendeu as boas obras como forma de mortificar o corpo e condenou o ócio, concedendo também importância ao trabalho como meio de dignificar o homem, de honrar a Deus e, assim, ocupar seu tempo e seu corpo, protegendo-o do mal. 

Para ele, “não fazer nada é ruim para a alma, por isso, em certas horas, os irmãos devem se ocupar no trabalho manual e noutras horas na leitura divina”. (Lutero, 1998, p. 51). Mas, de acordo com o ensinamento dos Santos Padres, o trabalho realizado pelo cristão, era uma forma de afugentar o mal: as tentações e os maus pensamentos. Entendo que cada um deveria conservar-se na condição social em que nasceu, até que deixasse a vida mortal e passasse para a vida eterna. 

Enquanto o trabalho foi concebido por Lutero, como um instrumento divino para subjugar o corpo ao serviço divino, as obras, para ele, só são válidas mediante a fé, são conseqüência dela, de forma que, o homem bom e justo realiza obras boas e justas. 

Segundo a compreensão de Lutero, as boas obras, o servir ao próximo desinteressadamente, são as responsabilidades do cristão para com a vida terrena e, por isso, o faz o cristão servo de todos. O cristão deve como conseqüência da fé, praticar as boas obras e zelar pelos outros, não simplesmente como atos de caridade cristã, como queriam os medievais, mas como atos de solidariedade humana, nascidos na razão. 

Lutero defendeu a idéia de que o homem nasce escravo do pecado; é, por natureza, mau e, assim, incapaz de realizar o bem desinteressadamente. Para mudar tal realidade, ele precisa se aproximar de Deus e reconhecer suas fraquezas, sua natureza má e sua conseqüente incapacidade para o bem e para o cumprimento dos mandamentos. Ao reconhecer tais coisas e se humilhar diante de Deus, por meio da graça, passa a crer em Deus e assim, atinge a fé e a salvação em Cristo, conseqüentemente, a verdadeira liberdade.  

Ele defendeu também, a liberdade de consciência, com a intenção de orientar as pessoas nas suas ações diárias, para que no desenvolvimento de sua fé, e, portanto de sua consciência, tomassem as decisões que considerassem compatíveis com o exercício dessa fé, isto é, com a vontade de Deus. Nesse sentido, ele defendeu que cada pessoa deveria agir com base na sua própria consciência, sendo responsável, neste mundo e diante de Deus, por suas decisões individuais. Para o Reformador, nosso valor é atribuído por Deus e não depende de elementos externos, de nossos feitos e realizações. 

Lutero finaliza o texto dizendo que as obras e as cerimônias não devem ser desprezadas, mas procuradas ao máximo. No entanto, o que deve ser desprezado são as falsas idéias das obras, ou seja, a idéia de que a justificação deve ser conquistada por elas. 

Diante do exposto, concluímos que é possível afirmar que Lutero concebeu seu pensamento acerca da idéia de liberdade a partir da tradição cultural cristã, especialmente nos escritos de Paulo e de Santo Agostinho, que fundamentam toda sua abordagem. Assim, ele contribui para o nascimento de um cristianismo moderno, respondendo aos anseios de seus contemporâneos, bem como de seus posteriores; sendo seu pensamento “moderno” para o momento em que escreveu e de grande influência tanto para o mundo religioso quanto para o secular. E, que, apesar das limitações de seu pensamento que são também as limitações sócio-culturais de sua época, Lutero contribuiu com a mesma, provocando lhe mudanças. Sua doutrina da justificação pela fé e sua defesa da liberdade, responderam aos anseios e necessidades do período, oferecendo ainda, elementos para se pensar aquela nova sociedade que emergia. Suas idéias, sobretudo do ponto de vista religioso, já foram discutidas, aceitas por uns e combatidas por outros, mas continuam a oferecer material para discussão, na atualidade, principalmente no que tange às suas contribuições para o mundo religioso; sendo pouco investigadas as suas contribuições, para o mundo moderno. 


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 



LUTERO, Martinho. Da Liberdade do Cristão (1520). Trad. Erlon José Paschoal. São Paulo: Fundação Editora da UNESP. 1998.